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Pandemia pode representar genocídio indígena

Fonte: ANDES-SN

É uma ironia que os povos mais comprometidos com a preservação da natureza estejam sob risco de perecer por uma doença provocada, justamente, pelo total desrespeito ao meio ambiente. As comunidades camponesas e os povos originários, que sempre tiveram clareza de que o modo de lidar com a Mãe Terra é determinante para a sobrevivência das próximas gerações, se veem mais uma vez vitimizadas pelos abusos cometidos à revelia dos cuidados preconizados pelos seus mais remotos ancestrais.

Em um país historicamente construído sobre opressões, escravidão e exploração, os povos indígenas foram as primeiras vítimas. Desde quando viviam cercados pelas árvores que derem seu nome ao país, enfrentam uma sucessão de ataques perpetrados por invasores, na figura dos colonizadores, seguidos pelos desbravadores, especulação imobiliária, turismo predatório, agronegócio, mineração. Atualmente, com os órgãos públicos fiscalizadores desmantelados, sucateados e, agora, em quarentena, os guardiões da floresta correm um risco ainda maior de desaparecer.

O conhecimento acumulado sobre regime de chuvas, mitigação de mudança climática, conservação da biodiversidade e toda a sorte de serviços ambientais como geração de energia elétrica e abastecimento urbano de água, indispensáveis para a sobrevivência humana são, também, entraves ao enriquecimento imediato de agentes do capital. Incapazes de imaginar um mundo como herança para seus descendentes, a visão curta do mercado olha uma mata preservada e enxerga um lucrativo resort; produtos à venda, matéria-prima para rentismo no mercado financeiro.

Não enxergar o futuro, porém, tem um preço

Da mesma forma que os primeiros moradores do país viviam em harmonia com seu entorno, o novo Corona vírus era apenas um ser minúsculo perfeitamente adaptado a seu hospedeiro natural, um pequeno animal selvagem abundante nas matas chinesas. Como as demais epidemias, a Covid-19 é uma zoonose – resultante, portanto, da invasão sobre uma porção da natureza. O agente etiológico da doença é o vírus, mas o responsável pela pandemia é quem o retirou do seu habitat primordial. A pandemia é mais um, entre tantos, desastre ecológico.

Violência e virulência 
A primeira vítima entre os povos indígenas foi um jovem da etnia Yanomami, de apenas 15 anos, que faleceu em Roraima. O vírus é mais um assassino que veio se juntar a madeireiros, garimpeiros, invasores, pistoleiros, latifundiários desmatadores, organizadores de queimadas. Com os problemas estruturais que assolam o sistema de saúde – em geral, representado na floresta por um agente indígena ou comunitário de saúde com pouca capacitação técnica e sem recursos para atendimento – e a ganância sobre terras preservadas, os moradores das aldeias vivem sob a sombra de uma tragédia sem precedentes.

Lideranças indígenas têm denunciado uma trama macabra em que invasores provocam, deliberadamente, situações de contágio, atacando intencionalmente as populações isoladas, que não têm anticorpos nem mesmo para combater as infecções mais disseminadas nas cidades. A Amazônia profunda abriga mais de 10 mil comunidades tradicionais, entre elas ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, pescadores; na porção continental, são reconhecidos 511 povos indígenas, dos quais 66 se encontram em isolamento voluntário.

São populações vulneráveis ao contágio por diversos fatores, como a falta de informações sobre prevenção da doença – muitas vezes, as aldeias não contam com energia elétrica e têm acesso bastante limitado a meios de comunicação. Dificuldades de transporte de pacientes para os centros urbanos e a quase total ausência de ambulanchas para vencer as distâncias por rios tornam quase inviável a prestação de atendimento médico em tempo hábil.

O desmatamento na Amazônia registrou um aumento de 29,9% no mês de março deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Até agora, são três os indígenas mortos pela pandemia e nove os casos diagnosticados. A medida provisória 942 destinou à Fundação Nacional do Índio (Funai), R$ 10.840 milhões para serem utilizados na proteção de indígenas contra o avanço do novo corona vírus. Os recursos foram repassados já há duas semanas, porém até o momento nenhum centavo foi gasto pelo país no cumprimento de algo que nada mais é do que uma obrigação, a de proteger os povos originários com respeito à suas especificidades étnicas e culturais.


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